Passado Dependente



O vento assobiava sem fim, o sol brilhava para além do horizonte, e Vera fechava-se em casa, dentro daquelas quatro paredes, dentro daquela casa escura, sem um único ruído. Vera, não andava, teve um acidente há uns anos atrás. O seu dia era visto por aquela janela, onde o sol não passava aquele limite, e onde esse mesmo já descascava a tinta da mesma janela. Vera habitava perto de uma escola primária, e olhava todos os dias para os sorrisos daquelas crianças, e acima de tudo, para o andar daquelas mães, que todos os dias pelas manhãs frias, os traziam para a escola.
Os dias foram-se passando, e o sol foi brilhando cada vez mais intensamente naquela janela já descascada. Certo dia, uma funcionária daquela escola primária notou que já há uns longos dias, aquela senhora estava sempre a olhar para aquele pequeno pátio pertencente à escola primária. Decidiu assim, após a sua hora de trabalho, ir falar com aquela senhora, talvez se passasse algo.
Tocou à campainha uma vez, e nada de novo surgiu. Decidiu, com um pouco de receio, tocar uma segunda vez, talvez a senhora não tivesse ouvido. Até que…
- Quem é? – Perguntou a senhora.
- É a Rita. Sou funcionária da escola primária em frente à sua casa. Posso entrar?
- Hum… Empurre. – E assim lhe deu acesso para sua casa.
Rita subiu aquelas valentes escadas que pareciam não ter fim. Até que se deparou com a esperada porta. Tocou à campainha, e aguardou. Logo de seguida, Vera abriu-lhe a porta, com um pouco de receio e dúvida do que é que a funcionária iria lá fazer.
 - Entre… - Disse Vera.
Rita olhou para o estado de Vera, e ficou pensativa… Talvez seria aquela a razão pela qual Vera estaria sempre na janela?
- Obrigado, antes de mais. Eu tenho reparado que a senhora está sempre de olhos postos no pátio da nossa escola. Passa-se alguma coisa? Não é que eu tenha algo contra…
- Não, não se passa nada. – Interrompendo Rita.
- Mas não há uma hora em que você não esteja com os olhos postos naquele pátio. Não é por mal que eu digo isto, apenas estranheza… Minha e das minhas colegas.
- É o seguinte, vou-lhe contar a minha história…
Vera não teve preconceitos em contar a sua triste história, o seu triste passado, e a conversa foi-se desenrolando, e a cada palavra que dizia, Rita derramava uma lágrima que era logo limpa pela sua mão, para não incomodar Vera.
- Você tem uma história completamente triste… O que posso fazer por si?
- Não há nada a fazer, minha amiga. Apenas esperar que São Pedro me chame. 
- Não diga isso. Vai ver que ainda será feliz, acredite em mim!
- Não posso acreditar… Como os novos dizem, já estou pronta “para ir para a cova”.
A conversa continuou, ainda mais lágrimas foram derramadas, e cada palavra ficava marcada no coração de Rita. O dia anoiteceu, Rita tinha tarefas em casa a cumprir… Despediu-se de Vera, e disse:
- Até amanhã. Seja feliz.
A noite passou, Rita não conseguiu parar de pensar no triste passado de Vera. Era hora dos pais trazerem as crianças, e mal Rita chegou ao seu posto de trabalho, já Vera estava na janela. Vera sorriu, e Rita acabou por acenar largando um sorriso forte. A funcionária da escola decidiu partilhar a história de Vera com as colegas, visto que também se preocupavam com o facto de ela estar sempre na janela e a olhar para o pátio da escola.
De repente, uma ideia surgiu! Gisela, outra funcionária da mesma escola, teve a brilhante ideia de convidar Vera para partilhar a sua história com os alunos, para todas as crianças daquela escola. Nesse mesmo dia, já pela tardinha, Rita e Gisela foram a casa de Vera, e contaram-lhe a ideia. Tocaram à campainha.
- Quem é? – Perguntou a senhora.
- É a Rita, a funcionária da escola.
- Ahh, sim. Empurre.
E assim entraram no prédio das famosas escadas sem fim, onde Vera vivia. Chegaram e a porta já estava aberta.
- Posso? – Perguntou Rita.
- Sim, claro. Entre. – Disse ela, à beira da janela. – Onde é que você está?
- Estou aqui, na sala. Junto à janela. – Respondeu Vera.
- Ah, está aqui. Olhe, esta rapariga é outra funcionária da escola, e teve uma ideia.
-Ah? Que ideia? – Perguntou Vera, um pouco duvidosa.
- Bem, é assim… Lá na escola, as nossas crianças são muito calmas…
- Eu sei, eu sei. Eu vejo da janela. – Interrompeu Vera.
- Pois, e porque é que só vê da janela? Não as quer ver de perto? Estou a convidá-la, em nome da escola, para um dia destes, vir partilhar com as nossas crianças, a sua história, apesar de triste, é um passado jamais esquecido.
- Oh… - Deixando escorrer algumas lágrimas pelo rosto abaixo. – É muito bonito da vossa parte, mas…
- Mas não sabe o que dizer às nossas crianças? – Interrompendo. – Sabe sim. Conta-lhes o seu passado, a suas tristes memórias. Vai sentir-se muito melhor, acredite.
- Pronto, eu aceito. – Largando um sorriso. – Quando é que dá jeito lá ir? É que eu preciso que alguém me venha buscar, porque eu assim, não consigo descer as escadas, e aqui não tem elevador.
- Pode ser amanhã? – Perguntou Gisela.
- Hum, parece-me bem. Às 10h?
- Perfeito. Até amanhã, então.
Falaram mais um pouco, e desceram. Gisela e Rita tinham na mente que aquele dia, seria memorável para todos.
A noite passou, tornando o dia, um pouco chuvoso. Mas não seria tal o motivo para Vera não ir à escola primária. Vera ansiava a hora das funcionárias a virem buscar. Tomou o seu leite com café e comeu um pão. O tempo foi passando, Vera ia pensando no que haveria de dizer.
São 10h, ainda mal o ponto dos segundos tinha chegado ao cimo, para marcar tal hora, Rita e Gisela chegaram, prontas para ajudarem Vera a descer. Estenderam os braços, e fizeram uma espécie de banco, para descer até lá abaixo, trazendo a sua maior inimiga em cima de si, a cadeira de rodas.
Mal Vera entrou pela biblioteca da escola, sobre aquelas duas rodas, com a força das suas mãos, as crianças aplaudiram, de uma forma de carinho receptivo. Já começou mal, Vera já escorria lágrimas, e nem se quer tinha ainda começado. As crianças sentaram-se sobre as suas almofadas coloridas, e Vera em frente, como sempre, em cima da sua maior inimiga.
Começou então.
- Olá a todos. O meu nome é Vera, escusam de saber a minha idade, porque já se conta pelas rugas que me marcam a cara. Vivo aqui mesmo em frente, e tenho sempre os olhos postos no pátio do vosso recreio. Estou em cima desta cadeira de rodas, a quem eu chamo de minha maior inimiga. Há uns anos para cá, tive um acidente, fui atropelada. Ia eu, a atravessar uma estrada, onde não havia passadeira, e de repente um carro embate em mim, com uma velocidade estrondosa. Fiquei eu, ali estendida no chão. Ia ter com as pessoas mais importantes da minha vida, o meu marido e as minhas filhas, era a última oportunidade que eles me deram, porque já muitos problemas vinham de trás. Após o carro embater em mim, só me lembro de acordar deitada numa maca, num hospital, e ouvir o som daquela máquina que todos nós vemos nos filmes, que faz “Piiiiiii Piiiiiii Piiiiiii”. O médico não tinha a melhor notícia para mim, olhou-me com ar triste, coisa que não era normal por parte de uma equipa hospitalar. – As crianças já limpavam as lágrimas, devido à história de Vera, não era de muitos sorrisos. – Os meus falecidos pais, deram-me aquela notícia, directamente, o que me chocou ainda mais. Após saber que, não poderia mais correr, não poderia mais andar de pé, não podia chegar a determinadas coisas… Naquele momento, ainda pedi a Deus que me levasse para o lado dele, mas nenhuma resposta chegou até hoje. Aquela era a última oportunidade que eu tinha de ver o meu ex-marido e as minhas filhas, mas como eu faltei ao encontro, não por querer mas por causa do acidente, até ao dia de hoje numa mais me contactaram, nem uma simples mensagem. De hoje em dia, passo a vida na janela, a olhar para esta escola, onde os vossos papás e mamãs vos trazem, com as suas próprias pernas, e não sobre uma coisa como esta. E a minha vida é esta… Agora estou à espera que o céu me abra a porta. – Quando ela disse aquilo, todas as crianças entenderam… Levantaram-se e foram abraçar-se a Vera, que já chorava intensamente.
Vera, ao sair, foi aplaudida mais uma vez, devido à coragem e força que teve até ao dia de hoje. Quando chegou lá a cima, ao seu doce lar, com a ajuda das duas funcionárias, dirigiu-se à janela, e viu uma coisa inesperada: Todas as crianças da escola primária formaram a palavra “Vera” dentro de um cordão humano.
- Ai, não acredito… - Desatou a chorar, porque nunca esperava tal surpresa. Olhou mais uma vez, e com a mão acenou, enxugando as lágrimas com a outra mão.
Eles deixaram voar vários balões, de várias cores. Realmente foi um dia inesquecível, vai ficar para sempre na memória de todos.
Os dias foram passando, e cada criança que chegasse à escola, acenava sempre para Vera, que estava sempre naquela janela já sem cor. A cada dia que passava, Rita e Gisela traziam-lhe trabalhos feitos pelos alunos… Desde desenhos, a montagens, a frases, entre muitas outras coisas. Vera ganhou cada vez mais coragem para seguir em frente. Até que o pedido que ela teria feito há um tempo atrás, foi atendido. Vera, faleceu… Todas as crianças olhavam para aquela janela, como o costume, e não viam ninguém do outro lado. Tiveram a ideia de formar a palavra “sempre” dentro de um cordão humano, porque Vera, nunca foi e nunca será esquecida na vida de todos os presentes naquele dia na biblioteca.

This entry was posted on terça-feira, 30 de agosto de 2011. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

19 Responses to “Passado Dependente”

inêsmorais' disse...

Obrigada ; Também sigo (:

Anónimo disse...

As vezes com tão pouco, fazemos as pessoas felizes :')

sof disse...

está lindo :)

inêsmorais' disse...

De nada :b

Pensando com a Arte disse...

obrigada, e também já te sigo **.

eliana disse...

fui ver agora, e não aparece que te tenha como seguidor :s

eliana disse...

pois, não sei o que se passa :s

Pensando com a Arte disse...

obrigada (:

Rita disse...

Agora sim... Vou lê-las assim que puder. :)
E obrigada. :b
Beijinho*

Sara C. disse...

Obrigada, tmb vou seguir (:

Sara C. disse...

Só uma pergunta, tens a certeza que conseguiste seguir? é que o numero de seguidores não aumentou s:

Rita disse...

então, não tens nada que pedir desculpa. :)

Sara C. disse...

E deu? :\

Sara C. disse...

Que estranho o:
O blog deve andar parvo outra vez..
de qualquer forma meti agora aquilono blog, vê lá se agora já consegues seguir :D

eliana disse...

eu compreendo, nao te preocupes com isso (;

Sara C. disse...

Deu :D
Espero ter ajudado (:

Marcela disse...

Pode ser que daqui a uns dias dê.

Flávia Rita A. M. Silva disse...

lindo, lindo!

Phage disse...

Obrigada x)
o teu blog ta brutal!
também sou tua seguidora, agora ;)